(...) Desenfaixaram minhas mãos e pés —
O grande striptease.
Senhoras e senhores,

Eis minhas mãos
Meus joelhos.
Posso ser só pele e osso,

No entanto sou a mesma, idêntica mulher. (...)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

EU ESTAVA LÁ



Eu estava lá mas você não viu
Tá fazendo frio nesse lugar
Onde eu já não caibo mais

Como se começa uma carta assim? Eu não faço a mínima idéia.
Sim, claro que já escrevi dezenas dessas, mas, obviamente como pode ver, nenhuma foi definitiva, o que as distingue desta aqui, e a torna extremamente diferente... Especial...
            Eu também sinto algo diferente nesse início: quero me estender indefinidamente. Quero a carta mais longa, cansativa e completa que puder escrever.
            Por quê?
            Oras, eu que sempre defendi a máxima “bilhetes suicidas são para os fracos” chego a conclusão de que eles REALMENTE são para os fracos, e isso é ótimo pois mostra que eu estava certa. Você deixa bilhetes para transferir a sua dor de alguma forma, para culpar, pelo menos um pouco, outra pessoa (talvez assim você não vá para o inferno, se a culpa for de outro), para causar remorso, sofrimento, etc. Deixa escrito ali que “Sofia, me matei porque você trepou com meu melhor amigo!” e a tal Sofia vai passar dias se culpando por ter tido o melhor sexo da vida dela. O que, na minha humilde e morta opinião, não é lá muito correto.
            Mas então, por que raios eu estou escrevendo?
            ÓBVIO! Primeiro porque EU QUERO e vocês não têm nada com isso. Segundo porque eu sou escritora (a última Trakinas do supermercado) e escritor que se preze deve escrever até o ultimo lapso de Mal de Parkinson. Digo isso porque sempre achei que Mal de Parkinson era ser a pior coisa que poderia acontecer na vida de um escritor, até descobrir a grafomania...
            Mas como eu ía dizendo, eu escrevo essa carta/bilhete não porque eu seja fraca (posso ser, mas não vou admitir nunca), mas porque eu quero deixar alguém culpado. Isso mesmo, só de “zoeira”. Deixar algum ser inferior desprovido da capacidade intelectual peculiar que eu desenvolvi (UI!) como sendo o autor desse sociecídio. Não autor do disparo, ou o cara que me empurrou da janela, mas, ah! Vocês entenderam...
            E o sorteado de hoje é: VOCÊ!
            Isso mesmo, você! Que está aí, lendo essa carta fabulosamente escrita e meticulosamente planejada.
            Você me matou e deve, tem o dever de, saber que foi por sua causa que pulei do décimo - quinto; que disparei contra a têmpora direita com uma pistola calibre trinta e oito; que cortei a artéria radial no pulso esquerdo e rasguei a garganta com um serrote (essa foi trash). Foi por sua culpa, sua única culpa, que eu estou falando agora assim, por intermédio desta carta, do além túmulo.
            Então, o que acha?
            Eu não estou sendo má com você, estou sendo sincera. Convenhamos que você não me deu a atenção que eu merecia e menos ainda a que eu queria! E nada mais justo que fazê-lo pagar por isso.
            Mas eu, sendo uma pobre alma bondosa, não posso matá-lo, esquartejá-lo, queimá-lo e espalhar suas cinzas em um terreiro de Umbanda. O que fazer então? Chorar? Eu não choro mais.
            Sobra essa alternativa bem “alternativa”.
            Sobra o fazer o MAL sem olhar a quem.
            Sobra o suicídio. E o bilhete, claro, para deixar bem explícito que não foi porque eu quis, mas sim porque eu não pude viver com a falsa sensação de que tinha alguém do meu lado, e quando olhava pra conferir só via minha sombra.
            Sabe. De certa forma estou dando o troco. Pelas inúmeras vezes que você me abandonou. Pelas vezes em que eu pedi um abraço, ou um beijo e recebi um espaço vago na cama, um lugar a mais na mesa do café, um ingresso a menos no teatro e cinema. Por todos os risos negados e os apagados, e pelas lágrimas que você não viu, e também aquelas que viu e fingiu que eram de alegria dizendo “Hey, a vida é azul!” sabendo que eu gostava de verde e vermelho.
            Pelo café com gosto de chá, e pelo chá sem gosto algum.
            Pelo sexo semanal, animal, que me podia satisfazer, mas que só me fazia ver o quanto eu gostava de estar com você e o quanto você não precisava estar comigo. E isso me matava.
            E por essas coisas, que eu nunca recebi, pelos presentes que não abri nem abrirei no Natal. Eu só quero deixar bem claro que foi por isso. Foi por sua culpa.
            Pela imensa importância que você deu à minha alimentação, esquecendo-se de perguntar sobre os meus sentimentos.
            Pela imensa importância que deu aos meus erros fechando os olhos para as poucas, mas grandes vitórias da minha vida.
            Pela sua falta de tempo, de sensatez, de embriaguez e “humour”; e pelo excesso de razão, ausência e prudência.
            No fundo só lhe faltou ser um pouco louco para entender tudo, talvez não mudasse o desenrolar da história, porém você não seria tão culpado.
           
            E você nem precisa me dar atenção, eu estou morta mesmo. Enterrada nesta fria cova, ou cremada uniformemente em um potinho na sala da minha casa. Da nossa casa. Você nem precisa ler tudo isso se não quiser. Caso leia, pode decidir não levar em consideração e me desejar boas férias no inferno. Ainda assim a culpa é sua. Toda sua. Unicamente sua. Deixo-a em testamento exclusivamente para você. É meu único bem, e não te quero mal, por isso, cuide-a.

            Mas, cá entre nós, de onde eu tirei que os mortos falam?
            Eu espero que você tenha uma vida longa e feliz.
            E não se esqueça de mim.
            Ou se esqueça, tanto faz.
            Eu, com toda absoluta certeza, já me esqueci de você.

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Não se abra com seu amigo, que ele outro amigo tem. E o amigo do seu amigo, tem outro amigo também! - Mário Quintana (CUIDADO COM AS PALAVRAS)