(...) Desenfaixaram minhas mãos e pés —
O grande striptease.
Senhoras e senhores,

Eis minhas mãos
Meus joelhos.
Posso ser só pele e osso,

No entanto sou a mesma, idêntica mulher. (...)

sábado, 9 de abril de 2011

SALOMÃO



Minha avó fazia doces. Geléias, e todo tipo de coisas em conserva. Era uma pessoa boa, daquelas que se pode chamar de boa em tempo integral, não levantava a voz nem quando brigava comigo.
Mais tarde ela me disse que não gritava porque tinha um problema nas cordas vocais, e mais tarde ainda descobrimos que esse “problema nas cordas vocais” era um câncer, que, muito mais tarde veio a ser a causa da sua morte.
Mas tudo bem. As pessoas morrem, é o que eu acho, sem drama.
Não sou nostálgico e não gosto de falar da minha infância, a bem da verdade, não gosto de uma porção de coisas, mas vou ser bem egoísta e falar de mim aqui.
As primeiras lembranças que me vêm à cabeça são, deixe-me ver, eu pedi um tênis com luzes nos lados, que acendiam conforme você andava, eu achei aquele tênis a coisa mais incrível do mundo! Infelizmente a minha avó não achou e me comprou um cachorro.
Eu adorei! Que se danasse o tênis! Eu tinha um cachorro! Na primeira semana o chamei de Bob, na segunda chamei de Bilis, como aquela gosma produzida no fígado, pâncreas, ou sei lá que órgão do sistema digestivo. Na terceira semana eu o chamava de Sal.
A essa altura Teresa (minha avó) dizia que o cachorro devia ter algum problema de personalidade e nem sabia quem era de tantos nomes que eu havia lhe dado, mas Sal ficou com esse nome até morrer atropelado no mês seguinte.
Eu mesmo o enterrei e como tinha sido partido ao meio, eu decidi que seria bacana fazer um enterro para cada nome, então o parti em mais uma parte e fiz três covas.
Aqui jaz Bob.
Aqui jaz Bilis.
Aqui jaz Sal.
Minha avó quase enfartou, nem preciso dizer, preciso?
No colégio as coisas pareciam iguais, não me ignoravam, mas pareciam me olhar como se eu tivesse Ebola e pudesse matá-los se espirrasse na sala de aula. Eu não me importava muito, às vezes sim, mas na maioria não.
Minha avó já tinha me contado sobre minha mãe, sobre como ela tinha ido embora sem nada além da roupa do corpo e me deixado com ela. Eu aceitei bem, como não a conhecia, não podia odiá-la, nem querer que algo de mal acontecesse.
As coisas eram como sempre foram.
Até o verão em que minha avó faleceu, foi cedo, eu tinha 16 anos e eram 9 horas da manhã.
Naquele verão eu comecei a “aprender” a me virar. Alguém tinha que pagar as contas, limpar a casa, comprar comida... E esse alguém, agora, era eu. Com meus 16 anos de idade eu administrava a casa e decidi que usar as mesmas roupas não combinava mais comigo.
Ainda tinha umas caixas de bugigangas da casa antiga, e resolvi remexê-las antes de voltar para o colégio. Fotos velhas, brinquedos, candelabros... Uma corrente que eu usava para prender o, como era o nome do cachorro esquartejado mesmo? Bilie? Achei que era isso.
Peguei a corrente e prendi na calça no primeiro dia de aula do novo ano, agora eu era o cara mal que morava sozinho.
Se já me evitavam porque eu tinha “doenças imaginárias” imagine o que meu cabelo grande e desgrenhado e uma corrente na calça jeans não faria?
Ah, essa era minha forra... Um novo Salomão estava nascendo, e todos o chamavam de Manny. Menos um cara, um cara que de tão normal era estranho. E de tão pacato, acanhado, tão, não sei, “médio”, me chamou a atenção.
Ele me chamava de Sal.
O Dimitri não entende porque gostei tanto do fato dele ter me chamado de Sal, e eu não me preocupo em explicar a ele que foi só porque ele me lembrou do nome do meu cachorro. Naquela época, lembrar o nome certo do meu cachorro me parecia algo muito importante, e vindo dele me fez promovê-lo ao posto de melhor amigo imediatamente.
Posto este, que ele nunca abandonou.

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